Nesse ano de 2008 tudo tinha sido diferente.
Entrei em casa com passos arrastados de orgulhoso cansaço apesar daquela pequenita incomodidade, de um certo vazio, de uma certa incompletude … Seria da lassidão resultante da empresa…
Sentei-me à lareira e, em exercício de vaidade, trouxe ao pensamento a imagem do meu presépio...
Desta vez, só havia razões para me orgulhar. Nada de abrir em família as mesmíssimas caixas das figurinhas coleccionadas ano a ano, algumas já esborceladas, nada da agitação datada de 8 de Dezembro, nada de problemas porque o musgo não é quanto baste, nada das mesmas palhinhas de centeio a cheirar a seara… Conseguira até evitar a tradicional querela de quem ia colocar a estrela sobre a cabana …nada de flocos de neve ao acaso… Tudo tinha sido pensado com tempo, planificado ao pormenor, levado a um rigor que, a certa altura, senti enfermiço.
As figuras, num requinte quase snob, eram de design, as palhinhas tinham sido adornadas com pontinhas de ouro, a aldeia encomendada a arquitecto… A proporção, o equilíbrio, a harmonia, a perfeição de uma obra renascentista! Ao fundo, o rebanho pastava em “áurea mediocritas”, o fumo das chaminés dos lares apaziguados cumpria o “locus amenus”, os cânticos pairavam comedidamente em HiFi , a estrela tremeluzia numa suspensão cientificamente calculada e as ribeirinhas cantavam em movimento tecnológico…
O sono a querer apoderar-se de mim…
No meu presépio, nesse ano, não caía neve. Mudados os tempos, mudava-se o Natal e, com o aquecimento global, já não nevava em Belém. Tudo, tudinho, tudíssimo estudado ao detalhe. O esforço tinha realmente valido a pena. Lembro-me de me recostar no sofá, exausta, contente, vaidosa apesar daquela pequenita incomodidade, de um certo vazio, de uma certa incompletude … Seria da lassidão resultante da empresa…
Nessa noite de 2008, sentei-me na cama de sopetão, arregalei os olhos no escuro da minha presunção, o coração saltou-me no peito num enorme novelo de espanto… Com tanto plano, com tanto design e tanta ostentação, tinha-me esquecido do Menino!
Etelvina Pinto
Publicado no jornal Esalpicos da Escola Secundária Amato Lusitano, Castelo Branco
Dezembro de 2008
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Nesse ano de 2008 tudo tinha sido diferente.
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